Olá amigas e amigos,
Bem-vindas e bem-vindos à πολύτροπον (diz-se polítropon) - a minha carta semanal "de muitos caminhos". O percurso desta semana leva-nos por um caminho alegre: Noam Chomsky não morreu e saiu do hospital contente, com uma renovada urgência de viver. Vamos aproveitar essa boa notícia e embarcar para São Paulo, onde leremos livros antes de regressar para a Lisboa verde do futuro. No entanto não há só boas novas, na Palestina continuam vidas a ser ceifadas e crianças a ficarem órfãs.
***
— E… No final da carta, partilho excertos de um ensaio publicado na Revista do Expresso que explica o nome desta carta (o primeiro adjetivo que Homero usa para descrever Ulisses na Odisseia).
Ah! Recordo que πολύτροπον (diz-se polítropon) - "de muitos caminhos" é inteiramente gratuita.
(Quem não quiser receber este email, é só clicar em "unsubcribe" abaixo, ou enviar mensagem solicitando a retirada da minha lista de contactos.)
Rui
***
A semana em que Chomsky não morreu
Mesmo sendo certo que toda a gente morre, não consigo escrever sem ter a certeza de que é mesmo preciso fazê-lo. Mas isso dá-me um excelente pretexto para escrever sobre um assunto mais alegre: não só Noam Chomsky está vivo como saiu bem disposto do hospital da Beneficência Portuguesa em São Paulo. E, pensando bem, não há nada mais urgente do que a vida.
De pouquíssimos intelectuais públicos se pode dizer que estão em condições de comemorar em vida os oitenta e cinco anos do seu primeiro artigo político. Mas é o caso de Chomsky: foi em 1939, tinha ele dez anos, que publicou um primeiro artigo político no jornal da sua escola, em Filadélfia, sobre a Guerra Civil de Espanha. A primeira frase dizia algo como “a Checoslováquia caiu, a Áustria caiu, e agora cai Barcelona”. A ordem dos fatores é historicamente correta: a anexação dos sudetas na Checoslováquia, e o “anschluss” da Áustria pela Alemanha nazi ocorreram ainda antes do fim da Guerra Civil Espanhola. No início de 1939 a impressão com que viviam os antifascistas era a de que as democracias liberais, fossem elas monárquicas como o Reino Unido ou republicanas como a França, estavam mais preocupadas em acomodar as exigências dos fascistas e dos nazis do que em defender a soberania dos povos que estes atacavam. E, mais tarde nesse ano, ao perceber-se que Hitler e Estaline se tinham entendido para dividir a Polónia entre si, a URSS poderia ser agregada à lista dos apaziguadores do nazi-fascismo. Só mais tarde, depois da ocupação da França e da invasão da própria URSS — centrada nos territórios ucranianos —, foi forjada a aliança que haveria de finalmente derrotar o nazi-fascismo. Para quem vivia naquele ano de 1939, a sensação era a de que os fascismos obtinham aquilo que queriam, e que o obtinham perante a complacência e a cumplicidade tanto das “democracias burguesas” como da “ditadura do proletariado”.
Se somos formados pelo mundo em que nascemos, o mundo em que Noam Chomsky nasceu é bem diferente do de hoje.
Leiam a crónica completa no Expresso desta semana.
Se as palavras tivessem o poder… E têm.
Reconhecer a independência da Palestina é um passo fundamental em direção a uma solução que pode pôr fim à violência. Além disso, envia uma mensagem clara aos extremistas de ambos os lados: não aceitaremos a imposição de fatos consumados que inviabilizem a solução de dois estados. Essa foi a posição defendida pelo LIVRE na Assembleia da República nesta semana.
Veredas de Lisboa
Conhecem o livro «O Barão Trepador», de Italo Calvino? Ele narra a história de Cosimo Piovasco di Rondò, um jovem nobre e rebelde do século XVIII que decide viver nas árvores sem nunca mais descer ao chão. Cosimo desloca-se de árvore em árvore, utilizando galhos e ramos para se movimentar e assim constrói uma vida cheia de aventuras.
Imaginem como seria atravessar a Europa por caminhos verdes e arborizados, como numa fábula de Calvino.
Inspirado por essa história, o LIVRE apresentou na Câmara Municipal de Lisboa a proposta «Veredas de Lisboa», que foi aprovada por unanimidade e bem recebida pelos demais grupos políticos como uma solução eficaz para combater as alterações climáticas.
Podem saber mais sobre as «Veredas de Lisboa» na apresentação do Carlos Teixeira, vereador do LIVRE em substituição, no vídeo que vos deixo acima.
Na Feira do Livro… de São Paulo!
Alô Brasil!
Contente em partilhar convosco que estarei na A Feira do Livro 2024, em São Paulo, que começa no dia 29 deste mês. Será um prazer apresentar a edição brasileira do «Agora, agora e mais agora» e discutir outros trabalhos meus com o público presente.
Marquem a data: 29 de junho a 07 de julho, na Praça Charles Miller, em Pacaembu/São Paulo.
A entrada é gratuita. Até lá!
—
Leituras da semana
O Pacto Europeu para as Migrações e Asilo: uma oportunidade perdida? — Teresa Pina
A Republic of Discussion - Habermas At Ninety — Raymond Geuss
Fascismos - Ideologia e História — Alvaro Bianchi
—
Telegram
É por aqui o meu canal no Telegram: https://t.me/ruitavarespt . Vemo-nos por lá!
***
Fala-me, ó musa, de um homem problemático
Sobre Emily Wilson, a mulher que se aventurou a ser a primeira a traduzir a Odisseia para inglês e o tipo de homens que se escandalizam com isso.
Mas vamos lá: chamar “complicado” a Ulisses é ou não ofensivo? E se fosse? É que a pergunta deve ir um pouco mais atrás: quem diz que é apenas suposto elogiar Ulisses na primeira linha da “Odisseia”?
Vamos à palavra tal como Homero, ou talvez “Homero”, a talvez disse primeiro e ele ou outro a escreveu depois, há cerca de entre 3000 e 2600 anos. A palavra — o primeiro adjetivo usado para descrever Ulisses na Odisseia é πολύτροπον, que se pode transcrever como “polítropon”, um acusativo de “πολύτροπος” (polítropos), para modificar o substantivo ἄνδρα, homem. Polítropon não é complicado de explicar: “poli-” quer dizer “muitos” e “tropos” que dizer “caminhos”, pelo que “polítropon” se poderia traduzir literalmente como “de muitos caminhos”. “Do homem conta-me, ó Musa, de muito caminhos” seria a tradução literal das primeiras palavras da “Odisseia”.
Leia o resto no Expresso para assinantes.