Olá amigas e amigos,
Bem-vindas e bem-vindos a πολύτροπον (diz-se polítropon) - a minha carta semanal "de muitos caminhos".
Esta é uma carta de pesar e de esperança. Pesar pelas vidas que se perdem e pelo aproveitamento dos estigmas por políticos incendiários. E esperança nas soluções que as lideranças no terreno já conhecem há muito tempo, e que precisam de apoio. Noutras paragens, perguntamo-nos o que é preciso para que digamos que um estado é frágil quando para isso é preciso haver um estado e olhando à nossa volta não parece haver grandes sinais da sua existência.
Recordo que πολύτροπον (diz-se polítropon) - "de muitos caminhos" é inteiramente gratuita. — Se quiserem saber mais sobre o nome desta carta, vejam aqui.
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Rui
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Bairros "sensíveis", políticas insensíveis
Se pensássemos a Cova da Moura (e todos os outros bairros que a Cova da Moura emblematiza) não como um caso de polícia, nem sequer como um bairro sensível, mas simplesmente como parte da nossa comunidade, merecendo políticas atentas ao território e a quem lá vive, não tenho qualquer dúvida de que o símbolo da Cova da Moura poderia ser agregador e motivo de orgulho para todos nós, dentro e fora do bairro.
Infelizmente, este parece ser o tempo em que são premiados os políticos incendiários que querem agravar o estigma que pesa sobre estes bairros e glorificar a violência que, como no caso de Odair Moniz, resulta em filhos órfãos e no agravar do ciclo de exclusão e preconceito.
O que falta na Cova da Moura não é mais estado sob a forma de polícia, e menos em tudo o resto. O que falta a nós todos é ouvir as soluções que as lideranças no terreno já conhecem há muito tempo, e que precisam de apoio.
👉 No Expresso desta semana podem ler a crónica completa
Como se pode ser centro-africano?
Como um vazio no coração de África ajuda a alimentar uma guerra na Europa
Por detrás da insegurança está um problema de falta de coesão nacional, e isso não se faz em anos, talvez nem décadas. Este vazio deixa abandonados os centro-africanos, que terão dificuldade em construir uma identidade comum. Mas é útil a algumas potências estrangeiras. O país é rico em minerais, e todos dias saem das regiões periféricas aviões em pistas improvisadas e impossíveis de controlar, levando ouro e diamantes. Os intermediários são os mercenários russos do Afrika Korps, que aqui ainda são conhecidos por Black Wagner. Parte desses recursos ajuda a alimentar a guerra na Ucrânia. Dizem-me que na academia deixou de ser preceito falar-se de “estados falhados” e que agora o que se deve dizer “estados frágeis”. De certa forma, a realidade no terreno poupa-me a esse embaraço da escolha: para haver um estado falhado, ou um estado frágil que seja, é preciso haver um estado. E olhando à nossa volta não parece haver grandes sinais da sua existência.
👉 Leiam a crónica completa na Folha de São Paulo.
Moinho da Juventude
A Associação Cultural Moinho da Juventude (a que me refiro na crónica desta semana no Expresso) está localizada na Cova da Moura. Promove atividades que transformam a comunidade, atuando nas áreas socioeducativa, sociocultural, socioprofissional e de apoio jurídico e social, com um trabalho que envolve crianças, jovens, adultos e idosos. A Moinho da Juventude é um ponto de encontro para todos, sempre com foco na inclusão e no desenvolvimento da comunidade.
Leituras da semana
Amas na Cova da Moura. “Se eu não existo, as mães não podem trabalhar e as crianças é que vão sofrer” — Catarina Reis/Mensagem de Lisboa
(Reportagem premiada pela 15.ª edição dos Prémios de Ciberjornalismo. Nomeada, também, em 2023, como uma das melhores do mundo a concurso pelo prémio internacional de jornalismo True Story Award )
Um rap da Cova da Moura sobre a Europa levou seis jovens a Bruxelas, onde já se sabia a letra de cor — Catarina Reis/Mensagem de Lisboa
Photo Essay: Cova Da Moura — Sebastian Bouknight
Entrevista a António Brito Guterres — Joana Ascensão
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Fala-me, ó musa, de um homem problemático
Sobre Emily Wilson, a mulher que se aventurou a ser a primeira a traduzir a Odisseia para inglês e o tipo de homens que se escandalizam com isso.
Mas vamos lá: chamar “complicado” a Ulisses é ou não ofensivo? E se fosse? É que a pergunta deve ir um pouco mais atrás: quem diz que é apenas suposto elogiar Ulisses na primeira linha da “Odisseia”?
Vamos à palavra tal como Homero, ou talvez “Homero”, a talvez disse primeiro e ele ou outro a escreveu depois, há cerca de entre 3000 e 2600 anos. A palavra — o primeiro adjetivo usado para descrever Ulisses na Odisseia é πολύτροπον, que se pode transcrever como “polítropon”, um acusativo de “πολύτροπος” (polítropos), para modificar o substantivo ἄνδρα, homem. Polítropon não é complicado de explicar: “poli-” quer dizer “muitos” e “tropos” que dizer “caminhos”, pelo que “polítropon” se poderia traduzir literalmente como “de muitos caminhos”. “Do homem conta-me, ó Musa, de muito caminhos” seria a tradução literal das primeiras palavras da “Odisseia”.
Leia o resto no Expresso.