E vamos para a segunda volta! — πολύτροπον - "de muitos caminhos"
Carta semanal de Rui Tavares | 8 de dezembro de 2023
Olá amigas e amigos,
Bem-vindas e bem-vindos a πολύτροπον (diz-se polítropon) - a minha carta semanal "de muitos caminhos". Nesta semana continuamos com as primárias abertas do LIVRE e o resultado da primeira volta para os círculos de Lisboa, Porto e Setúbal; mobilidade na Europa para marcarem na agenda; solidariedade com o jornalistas do JN, cessar-fogo em Gaza e novas sugestões de leituras. Espero que gostem!
— E, no final da carta, partilho excertos de um ensaio publicado na Revista do Expresso que explica o nome desta carta (o primeiro adjetivo que Homero usa para descrever Ulisses na Odisseia).
Lembro que πολύτροπον (diz-se polítropon) - "de muitos caminhos" é inteiramente gratuita.
(Quem não quiser receber este email, é só clicar em "unsubcribe" abaixo, ou enviar mensagem solicitando a retirada da minha lista de contactos.)
Um abraço,
Rui
Lições de Espanha para a esquerda portuguesa
Deixo convosco um excerto da minha crónica desta semana no Expresso
"Hoje justifica-se dizer que a esquerda portuguesa não está a prestar atenção à outra metade da lição das eleições espanholas, a saber: que foi possível extrair uma vitória por uma unha negra principalmente por causa da capacidade de cada partido progressista em mobilizar ou segurar o seu eleitorado demonstrando capacidade de trabalhar em conjunto com os outros partidos progressistas no futuro. Em Portugal ainda temos à esquerda uma barreira cultural, que a “geringonça” não resolveu e que o fim da “geringonça” até agravou, em olhar descomplexadamente para uma realidade de qualquer democracia plural: toda a política é política de alianças. Esta dificuldade em aceitar esse facto simples — que a direita toma com naturalidade — pode ser fatal no próximo dia 10 de março, a não ser que seja corrigida a tempo. Comecemos por notar o óbvio, nestes tempos em que a inflação, a crise na habitação e os efeitos das guerras não deram às pessoas o alívio por que esperavam para depois da pandemia: o tempo político está mau para os incumbentes. Na maior parte dos países, quem está no governo — seja de direita, esquerda ou centro — tem perdido as eleições. As exceções são poucas, e repartem-se entre quem já manipulou o sistema eleitoral (Viktor Orbán, na Hungria), quem beneficiou de uma crise política cujas culpas foram atribuídas a outros (António Costa, há dois anos), e precisamente Pedro Sanchez em Espanha, há poucos meses, nas condições que atrás resumi. A esquerda em Portugal (incluindo o PS na atual legislatura, e os partidos à sua esquerda para as legislaturas precedentes) é vista como incumbente, o que nas condições atuais é uma desvantagem. Mas essa desvantagem será agravada se, ainda por cima, a esquerda deixar pairar a sombra de uma incerteza sobre a sua capacidade de trabalhar em conjunto. Nesse caso, ao eleitorado natural da direita pode juntar-se um eleitorado flutuante, e heterogéneo, que tem como critério decisivo a governabilidade. Esse eleitorado que vindo mais da esquerda deu uma maioria absoluta a António Costa, ou que estando mais ao centro deu no passado maiorias absolutas à direita de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas (concorrendo separadamente, mas dando sinais de entendimento) e ao PS de José Sócrates, só para falar dos casos mais recentes.
Excerto da minha crónica no Expresso (cliquem no link para o texto completo para assinantes).
E vamos para a segunda volta!
A primeira volta das primárias abertas do LIVRE terminou. Acima de tudo quero agradecer, à Comissão Eleitoral, a todos e todas que votaram nas primárias do LIVRE e às pessoas que foram candidatas pela primeira vez — todos são parte do caminho que estamos a construir e fizeram a democracia funcionar . Que esta festa democrática continue a inspirar-nos com alegria e determinação.
Todos nós no LIVRE fazemos parte do mesmo projeto de futuro para este país. Todos nós estaremos nas listas do LIVRE e seremos porta-vozes de ideias que tornarão melhor a vida dos nos nossos concidadãos e concidadãs, reforçando assim os valores fundamentais da justiça social, da sustentabilidade e dos direitos humanos.
As primárias abertas são um passo importante na construção de uma democracia mais participativa e inclusiva. A diversidade de ideias e perspectivas presentes nas primárias é um reflexo da riqueza do partido. É importante que, ao avançarmos para a segunda volta e, posteriormente, para as eleições, continuemos a valorizar essa diversidade e a fortalecer a unidade em torno dos valores centrais que nos unem. Cada membro do LIVRE desempenha um papel vital na construção do futuro do país, e o compromisso coletivo é a força que impulsionará o partido em direção a um futuro mais promissor.
Agora é fundamental unir forças e trabalhar em conjunto para enfrentar os desafios que se apresentam. Estas primárias escolherão os futuros deputados e as futuras deputadas do LIVRE já a partir de março. Uma escolha que recai sobre todos nós e que é de enorme responsabilidade e importância para garantir que o caminho que temos seguido, de credibilização e reforço do LIVRE continua a ser seguido.
É crucial lembrar que todos compartilhamos um objetivo comum: promover uma sociedade mais justa, solidária, sustentável e eleger um grupo parlamentar, ajudar as forças da ecologia e do progressismo a vencer e afastar extremistas autoritários e privatistas do poder. E a coragem para isso, nós só conseguimos em conjunto. Não há ninguém sozinho que tenha coragem. Nós damos coragem uns aos ouros.
Muito obrigado pela confiança e pela confiança nas nossas primárias.
Rui
Primárias do LIVRE - Resultados da 1ª volta
A primeira volta das primárias abertas do LIVRE terminaram. Muito obrigado a todos e todas que participaram nesta etapa, e pelo vosso voto de confiança!
Os resultados seguem abaixo:
Lisboa
Rui Tavares: 4777,3 pontos
Isabel Mendes Lopes: 2099,09 pontos
Patrícia Robalo: 1718,26 pontos
Tomás Cardoso Pereira: 1127,05 pontos
Patrícia Gonçalves: 981,12 pontos
Carlos M.G.L. Teixeira: 920,57 pontos
Safaa Dib: 976,5 pontos
João Godinho: 607,49 pontos
Ana Luísa Natário: 878,53 pontos
Bernardo Marques Vidal: 583,64 pontos
André Tenente: 337,66 pontos
Diana Barbosa: 262,47 pontos
João Fanha: 331,72 pontos
Ofélia Janeiro: 253,72 pontos
Rodrigo Brito: 256,06 pontos
Joana Alves Pereira: 126,35 pontos
João F. Lourenço Monteiro: 159,08 pontos
Ana Maria Nunes: 65,63 pontos
Vítor Andrade André: 129,61 pontos
Ana Ramos :34,01 pontos
André Spencer: 117,77 pontos
Joana Gomes: 26,45 pontos
Daniel Ferreira: 105,19 pontos
João Tibério: 98,31 pontos
Fernando Lino Franco: 68,92 pontos
Ricardo Costa Mendes: 63,41 pontos
Júlio Santos: 53,14 pontos
Ricardo Castro: 51,03 pontos
João Rocha: 47,29 pontos
Nuno Salsinha: 43,06 pontos
Ricardo Bouça Luiz: 38,59 pontos
Carlos Gouveia e Melo: 32,97 pontos
Rui Simões: 28,26 pontos
Carlos Adelino da Silva: 26,93 pontos
António Dinis: 6,26 pontos
Porto
Jorge Pinto: 2758,66 pontos
Filipa Pinto: 2511,89 pontos
Francisco Paupério: 1304,72 pontos
Diamantino Raposinho: 1304,39 pontos
Mário Gaspar: 918,69 pontos
Hélder T. Sousa: 689,16 pontos
Bernardo Marta: 435,55 pontos
Carlos Costa: 296,91 pontos
Zé Luís Rodrigues: 153,02 pontos
Ivanildo Tavares: 144,81 pontos
Alberto Castro: 108,29 pontos
Carlos Francisco Carvalho: 93,28 pontos
Francisco Carvalho: 69,33 pontos
Setúbal
Paulo Muacho: 2764,24 pontos
Geizy Fernandes: 1427,05 pontos
Marta de Sousa Ramos: 1253,2 pontos
Flávio Oliveira: 1027,6 pontos
Manuel Pedro dos Santos Rodrigues Pereira: 611,51 pontos
Bárbara Ribeiro: 321,23 pontos
Vasco Silva: 551,12 pontos
Tiago Mota: 550,55 pontos
Nuno Miguel Rolo: 379,18 pontos
Nuno Domingues: 185,51 pontos
Jorge Martinho: 111,84 pontos
Instituto José Tengarrinha
O Instituto José Tengarrinha convida para uma mesa-redonda sobre a mobilidade na área metropolitana de Lisboa, que terá lugar no dia 12 de dezembro às 18:30h, na sala do Conselho da UACS (rua Castilho, 14, Lisboa).
O evento é organizado em parceria com a Green European Foundation e será a ocasião para lançar em Portugal o Atlas Europeu da Mobilidade, realizado por aquela fundação e pela Fundação Heinrich Böll.
Entre os oradores estão Carla Castelo, Rosa Félix, Manuel Banza e Janet Sanz (em vídeo, de Barcelona).
Se o tema interessa, não percam este evento!
(Se puderem e quiserem, levem um smartphone e auriculares para ouvirem a tradução para português)
Aqui podem ler aqui o Atlas Europeu da Mobilidade
Solidariedade com os jornalistas do JN
Os trabalhadores do Jornal de Notícias (JN) iniciaram, no passado dia 6, uma greve de dois dias devido a ameaça de despedimento coletivo de jornalistas. A redução de recursos compromete a capacidade do JN de oferecer notícias profundas, essenciais para o escrutínio jornalístico e para a democracia.
Cessar-fogo definitivo. E reconhecer a Palestina
Leiam a crónica da Isabel Mendes Lopes, no Diário de Notícias do dia 27 de novembro.
O ódio só alimenta o ódio, numa espiral que só serve quem usa o ódio para ganhar poder em proveito próprio. E é isso que está a acontecer: os extremistas de ambos os lados alimentam-se, afastando qualquer hipótese de paz naquela região. Por isso, o Governo de Israel ignora há anos as resoluções da ONU sobre o cerco a Gaza e a ocupação dos colonatos na Cisjordânia e, por isso, foi tão rápido a tentar enfraquecer António Guterres quando lembrou a história trágica daquela região. É preciso parar a espiral do ódio, fortalecer a ONU e garantir uma solução política, que permita a israelitas e palestinianos viverem em paz e sem muros, numa solução de dois Estados.Podem ver a sua intervenção no vídeo abaixo.
A solução política não pode ser feita sobre escombros. Jorge Moreira da Silva, o subsecretário-geral da ONU, chocado com o nível de destruição, com mais de metade das casas e das escolas desaparecidas, alertou que Gaza recuou 20% no Índice de Desenvolvimento Humano. A paz exige a reconstrução urgente de Gaza e a comunidade internacional tem de mobilizar recursos para reconstruir as infraestruturas, os hospitais, as escolas, as casas que estão a ser dizimados, com a Autoridade Nacional Palestiniana e com o povo palestiniano. Já os escombros do trauma serão bem mais difíceis de reconstruir, num povo oprimido há décadas e que vive agora um sofrimento coletivo imenso que se prolongará durante gerações. Vai ser preciso um esforço coletivo global para garantir que palestinianos e israelitas possam viver livres e em paz. Mas nada começa sem um cessar-fogo definitivo.
Leiam o artigo completo neste link
Leituras da semana
E como a carta vai longa, deixo duas sugestões de leituras para esta semana.
Anti-antisemitismo y desdiabolización de la extrema derecha — Pablo Stefanoni
La Ultraderecha en América Latina: Definiciones e explicaciones — Cristóbal Rovira Kaltwasser
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Fala-me, ó musa, de um homem problemático
Sobre Emily Wilson, a mulher que se aventurou a ser a primeira a traduzir a Odisseia para inglês e o tipo de homens que se escandalizam com isso.
Mas vamos lá: chamar “complicado” a Ulisses é ou não ofensivo? E se fosse? É que a pergunta deve ir um pouco mais atrás: quem diz que é apenas suposto elogiar Ulisses na primeira linha da “Odisseia”?
Vamos à palavra tal como Homero, ou talvez “Homero”, a talvez disse primeiro e ele ou outro a escreveu depois, há cerca de entre 3000 e 2600 anos. A palavra — o primeiro adjetivo usado para descrever Ulisses na Odisseia é πολύτροπον, que se pode transcrever como “polítropon”, um acusativo de “πολύτροπος” (polítropos), para modificar o substantivo ἄνδρα, homem. Polítropon não é complicado de explicar: “poli-” quer dizer “muitos” e “tropos” que dizer “caminhos”, pelo que “polítropon” se poderia traduzir literalmente como “de muitos caminhos”. “Do homem conta-me, ó Musa, de muito caminhos” seria a tradução literal das primeiras palavras da “Odisseia”.
Leia o resto no Expresso para assinantes.