O problema não é “se” Trump, mas “qual” Trump
Carta semanal de Rui Tavares | 18 de julho de 2024
Olá amigas e amigos,
Bem-vindas e bem-vindos à πολύτροπον (diz-se polítropon) - a minha carta semanal "de muitos caminhos".
“É necessário repetir tantas vezes quanto necessário que a violência política é imoral e inaceitável, em primeiro porque é imoral e inaceitável, e em segundo lugar porque ao repeti-lo estamos a ajudar a salvar vidas.”
Veremos também que não há segundas oportunidades de se fazer um bom primeiro discurso à nação. Um podcast cheio de perguntas, e Artistas Unidos que precisam de casa.
Nas leituras da semana continuamos com as migrações do passado e do presente, insistimos por #UmaCasaParaOsArtistasUnidos e veremos como está o estado do direito à manifestação em 21 países europeus, assim como iremos confrontar um mito relacionado com a extrema-direita.
E ainda… as cores da minha aldeia em julho deste ano.
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— E… No final da carta, partilho excertos de um ensaio publicado na Revista do Expresso que explica o nome desta carta (o primeiro adjetivo que Homero usa para descrever Ulisses na Odisseia).
Ah! Recordo que πολύτροπον (diz-se polítropon) - "de muitos caminhos" é inteiramente gratuita.
(Quem não quiser receber este email, é só clicar em "unsubcribe" abaixo, ou enviar mensagem a solicitar a retirada da minha lista de contactos.)
Rui
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O problema não é “se” Trump, mas “qual” Trump
De qualquer forma, a questão essencial nunca foi “se” Trump ganharia as próximas eleições e chegaria de novo ao poder, mas antes “qual” Trump governaria depois disso. E essa questão não mudou.
O meu pessimismo não é de hoje. Já dei por descontado que Trump ganharia (o mundo está um caos e os eleitores atribuem esse caos a quem está no poder, castigando os incumbistes como temos visto ao redor do mundo) e creio que essa é a assunção de base de quase toda a gente. O que fica por responder — e ao responder talvez ajude a alterar os dados da questão — é o que acontece depois disso. E para dar essa resposta temos dados empíricos relativamente claros: o segundo mandato de um autoritário, depois de ter sido derrotado nas urnas uma vez, é sempre pior — mais vingativo, mais repressivo, mais descontrolado — do que o primeiro mandato. E com consequências mais duradouras e irreversíveis também.
Pouca gente se lembra, mas Viktor Orbán foi em tempos um primeiro-ministro banal. Derrotado nas urnas, ficou surpreso e magoado, declarando que “a nação não pode estar na oposição”, mas não teve outro remédio e abandonou o poder. O Orbán que conhecemos hoje — o que fechou jornais e expulsou universidades, controlou tribunais e os usou para prejudicar adversários — é o Orbán do segundo mandato. O padrão do autoritário cumpriu-se, e Orbán é como sempre uma lição para o futuro.
O Trump de um segundo mandato vem preparado para remover todos os obstáculos no seu caminho e vingar-se de todos os seus adversário; tem agora aliados que nunca lhe dirão que não e que farão em dobro tudo o que ele pedir; e terá desculpas para levar o poder do executivo presidencial até onde nunca foi levado. Além disso, nomeará mais juízes do Supremo, e mais jovens, e o seu legado durará até à segunda metade deste século.
Leiam a crónica completa no Expresso desta semana.
What’s Stronger Than Fear?
(…) what’s stronger than fear? Fear is effective because it is a monopolistic emotion. When you are scared, you cannot think about anything else. Intellectuals will try to dismiss fear as irrational, without realising that fear’s irrationality, insofar as it exists, is the key to its strength. But many fears are rational, or at least plausible, and telling people to just not have them doesn’t work. Reactionary politics weds itself so perfectly with fear because it is so instinctive to its core element: when we fear, we react. That is not new to say that if progressives want to counter the reactionary use of fear, they must find something that is equally emotionally wedded to progressivism as fear is to reaction. Elections that pit “hope” against “fear” or “love” against “fear” (or “hate”) are a classical example. Barack Obama’s election in 2008 was universally described as a victory of hope after years of living under the fear of terrorism throughout the George W. Bush years. In the recent elections in Brazil, Lula da Silva successfully used a discourse of love against Jair Bolsonaro, whose tenure is a clear example of what a hateful discourse can do to a country.
But these weren’t definitive victories, not only because they were narrowly secured, but also because hope tends to be a passive feeling (especially in Latin languages, where it translates as esperança, esperanza or espoir, all variations of the verb to wait). Love, when not of the passionate kind, tends to be a quieter emotion than hate. Particularly when in government, progressives can succumb to technocratic politics. This retreat is especially prevalent at the European Union level and it is a serious mistake. When faced with a challenge as strong as the one posed by national-populist authoritarians (who, it must always be remembered, have already destroyed European democracies once), the technocratic answer is to say, “Let them have the territory of emotions, we will have reality”, without realising that emotions are our main interface with reality. For the human species at least, emotion are effectively the pillars of our consciousness. No emotions, no social life, no politics. If you concede that, you’re giving away all of politics to our adversaries.
Progressives, and the Greens in particular, also have their brand of fear. The fear of not having a liveable planet in the future, the fear of the consequences of inequalities, and so on. But even here, reactionaries are able to mobilise more immediate fears. Fear is not only monopolistic in regards to other emotions but also among several distinct fears. We only worry about the next fear when we have dealt with the most immediate one. Hence, most people find it difficult to worry about the end of the world when their main worry is the end of the month. Our use of fear brings diminishing returns for mobilising people for progressive politics – in contrast to what happens in the framework of reactionary politics. In progressive politics, if you go around telling everybody that there won’t be a planet for the next generation, that there’s not enough resources for everybody to enjoy a decent life, that, in sum, there’s not enough of the world for everybody — don’t be surprised if people drop their arms, go back home, and curl up in bed. What point is there in going out on the streets, attending long meetings or organising your workplace if everything will turn for the worse regardless?If you inject despair into politics, you will only get despondency and pessimism, effectively guaranteeing a turn for the worse. Moreover, when progressives emphasise a negative future, they invite comparison with a positive past, which automatically benefits reactionaries.
If progressives do not have a credible way to say that there is enough of a world for everybody to live a better life and that the way to get there is to overcome our current challenges with a progressive plan, nobody will get behind them. Progressivism depends on optimism – the desire for a better future.
Luckily for us, desire is stronger than fear.
Leiam o texto completo no Green European Journal de 23 de fevereiro de 2023
Os portugueses não vivem na bolha dos políticos portugueses
O primeiro-ministro destacou os benefícios fiscais para os ricos no seu primeiro discurso no Estado da Nação, na passada quarta-feira. Mas esses fundos poderiam ser usados de forma mais equitativa e com maior impacto na qualidade de vida das pessoas.
Para o LIVRE, o dinheiro destinado aos benefícios fiscais poderia ser melhor utilizado para aumentar o abono de família, apoiar a Herança Social, ou reforçar o Fundo de Emergência na Habitação. Ou seja, utilizar o dinheiro em medidas que visem beneficiar diretamente uma parcela maior da população e atender às necessidades sociais urgentes, promovendo uma distribuição de recursos mais justa e eficiente.
Vejam a minha intervenção no parlamento no vídeo acima.
Uma Casa Para os Artistas Unidos
O dia 31 de julho próximo será o último da companhia de teatro Artistas Unidos no Teatro da Politécnica. O grupo vai ficar sem um espaço adequado para as suas atividades, o que compromete a continuidade do seu trabalho. Apesar de terem deixado o espaço da Capital há mais de 20 anos, eles ainda enfrentam a incerteza e a falta de soluções rápidas para assegurar a programação das suas próximas temporada e projetos.
Estamos a pressionar a Câmara Municipal de Lisboa para encontrar um local digno para os Artistas Unidos, pois acreditamos que o apoio institucional é essencial para a sobrevivência e o desenvolvimento das artes e da cultura na nossa cidade.
Com o Daniel — que perguntou e não ofendeu
Fui ao Perguntar Não Ofende, com o Daniel Oliveira, e a resposta para o título é: obviamente que sim 🙄. Tirando isso, fala-se da Europa, de autárquicas, de presidenciais, de defesa do estado de direito, e de como pode a esquerda propor um futuro desejável e melhorar a vida das pessoas. Por isso vale a pena ouvir este podcast.
Leituras da semana
Comunicado da companhia teatral Artistas Unidos sobre a sua saída do Teatro da Politécnica.
Pouco protegido e demasiado restringido: o estado do direito de manifestação em 21 países europeus — Amnistia Internacional
Relatório produzido pela Amnistia Internacional sobre o direito de reunião e manifestação — direito humano fundamental — consagrado no Artigo 20.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Artigo 45.º da Constituição da República Portuguesa.
Migrações. “A exceção ucraniana devia ser a regra” — Teresa Pina
Teresa Pina, politóloga e autora da tese Tensão Entre Supranacionalismo e Intergovernamentalismo: Uma análise do impacto da crise europeia de refugiados de 2015 sobre a política pública de migração e asilo da União Europeia, doutorada pelo ISCTE, fala sobre a crise europeia de refugiados de 2015 e o seu impacto nas políticas de migração e asilo da União Europeia, numa perspectiva que aborda tanto o passado quanto a atualidade.
The myth of vote losses to the radical right — Tarik Abou-Chadi, Daniel Bischof, Thomas Kurer, Markus Wagner
Neste artigo os autores contradizem o mito de que o declínio eleitoral dos partidos social-democratas é causado pela perda de votos para a extrema-direita.
Imagens da memória
… E houve festa na aldeia.
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Telegram
É por aqui o meu canal no Telegram: https://t.me/ruitavarespt . Vemo-nos por lá!
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Fala-me, ó musa, de um homem problemático
Sobre Emily Wilson, a mulher que se aventurou a ser a primeira a traduzir a Odisseia para inglês e o tipo de homens que se escandalizam com isso.
Mas vamos lá: chamar “complicado” a Ulisses é ou não ofensivo? E se fosse? É que a pergunta deve ir um pouco mais atrás: quem diz que é apenas suposto elogiar Ulisses na primeira linha da “Odisseia”?
Vamos à palavra tal como Homero, ou talvez “Homero”, a talvez disse primeiro e ele ou outro a escreveu depois, há cerca de entre 3000 e 2600 anos. A palavra — o primeiro adjetivo usado para descrever Ulisses na Odisseia é πολύτροπον, que se pode transcrever como “polítropon”, um acusativo de “πολύτροπος” (polítropos), para modificar o substantivo ἄνδρα, homem. Polítropon não é complicado de explicar: “poli-” quer dizer “muitos” e “tropos” que dizer “caminhos”, pelo que “polítropon” se poderia traduzir literalmente como “de muitos caminhos”. “Do homem conta-me, ó Musa, de muito caminhos” seria a tradução literal das primeiras palavras da “Odisseia”.
Leia o resto no Expresso para assinantes.
Discurso no parlamento muito muito bom.