Olá amigas e amigos,
Bem-vindas e bem-vindos a πολύτροπον (diz-se polítropon) - a minha carta semanal "de muitos caminhos".
Esta carta é composta por uma traição em 1938 e em 2025, e com ela um futuro incerto. Lembraremos o aniversário de Carlos Paredes, Ibn Khaldun que escreveu no século XIV uma obra fundadora da reflexão acerca da história e veremos como para ser líder é preciso conhecer o passado.
As primárias do LIVRE estão abertas!
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Recordo que πολύτροπον (diz-se polítropon) - "de muitos caminhos" é inteiramente gratuita. — Se quiserem saber mais sobre o nome desta carta, vejam aqui.
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Rui
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A beleza de não precisar de propor nada
Ora, Pureza diz-nos acima de tudo o que não quer: não quer um exército europeu, não quer que a dissuasão nuclear francesa proteja a Europa e não quer as despesas militares fora do défice.
A Ucrânia, para quem não se lembra, prescindiu da sua dissuasão nuclear. Entregou todas as suas ogivas ao abrigo do acordo de Budapeste, nos anos 1990, em troca de garantias de segurança de Moscovo e Washington. Sabemos do que isso lhe valeu. Vamos imaginar que a realidade para que a Europa tenha de se preparar não seja tão brutal; mas a opção que eu mencionei na minha crónica também não é que a Europa embarque num programa nuclear ou gaste biliões para construir novas ogivas. As ogivas nucleares francesas já existem e dizer que estão incluídas no artigo 42.7 custa zero euros. É certamente a opção mais barata e imediata para que Putin e Trump percebam que levamos a nossa independência a sério.
É precisamente ao não querer enfrentar esta escolha, por ser “tabu”, que seríamos confrontados com a necessidade de criar um exército europeu e mandar jovens para a frente. Se queremos manter a cooperação de defesa europeia a um nível que dê segurança, sem passos maiores do que a perna, o que há a fazer é ter mais interoperabilidade que nos permita não gastar biliões em armas americanas. E se tivermos de gastar, que esses gastos não conflituem com os gastos sociais e que possam ser dívida sem violar regras orçamentais; a partir daí, 0,5% do PIB da UE vale mais do 5% do PIB russo, porque a nossa economia é dez vezes maior.
Quem só nos diz o que não quer, não nos diz como conseguir aquilo que quer: que Putin e Trump olhem para o nosso estado social e os nossos direitos e decidam não nos atacar.
👉 No Expresso desta semana podem ler a crónica completa
O que deve a Europa fazer agora?
A Europa não deve ter medo. A Rússia tem 140 milhões de habitantes e um PIB de €1,6 biliões? A UE tem três vezes mais habitantes e 10 vezes mais riqueza.
Os acontecimentos dos últimos dias não deixam grande margem para dúvidas: há mesmo uma “internacional autoritária”, Trump é aliado de Putin, como é de Netanyahu, e os ucranianos serão tão vítima dela quanto os palestinianos. Há quem diga isso há anos, há quem só tenha chegado a esta conclusão recentemente, mas os que continuarem a negar esta realidade estão a fazê-lo por interesse, porque por ingenuidade já não pode ser.
(...) A Europa não deve ter medo. A Rússia tem 140 milhões de habitantes e um PIB de €1,6 biliões? A UE tem três vezes mais habitantes e 10 vezes mais riqueza. A Europa sem a Rússia tem mais de 700 milhões de habitantes e mais de €20 biliões de PIB. Coordenados e unidos somos fortes.
O que nos tem faltado é tempo para responder ao inconcebível. Agora, é preciso pensar e agir rápido.
👉 No Expresso desta semana podem ler a crónica completa
A Europa tem pouco tempo para resolver o seu quebra-cabeças
Como o desaparecimento passado da Polónia nos pode servir de alerta
Houve um tempo em que a Polónia e a Lituânia estiveram juntas numa grande comunidade que era o maior estado europeu da época. Tinham um parlamento conjunto no qual cada nobre podia exercer o direito de veto. Vendo isso, as potências estrangeiras começar a comprar líderes políticos, para que eles bloqueassem todas as decisões da Comunidade. O último rei polaco livrou-se desse veto, mas foi tarde demais: três impérios dividiram a Polónia entre si, e o país desapareceu durante mais de cem anos.
Também a União Europeia tem tudo para dar certo como comunidade, exceto o funcionamento político bloqueado pelo veto individual de governos como o da Hungria de Viktor Orbán. Percebendo essa debilidade, Putin e Trump têm usado políticos como Orbán como forma de boicotar a capacidade de decisão da UE. "
👉 Lê na Folha de São Paulo.
Teremos sempre Munique — para a traição
EUA já não são aliados da Europa, que terá de construir a sua própria Comunidade de Defesa
E de novo em Munique, há poucos dias, ficou claro que o plano de Trump para a Ucrânia é entregar, em nome dos ucranianos mas sem a participação deles, tudo aquilo que Putin tiver conseguido conquistar. E ainda exigir, por cima, que os ucranianos paguem 500 bilhões de dólares pelo favor, deixem os EUA ficar com metade dos seus minérios raros, mais uma parte da atividade portuária e agrícola do país, pelo menos. Em termos proporcionais, são condições mais duras do que as que foram impostas à Alemanha por ter sido considerada culpada pela Iª Guerra Mundial.(...)
(...) Para quem quiser enfrentar a realidade, o cenário é bastante claro: a UE e os EUA já não são aliados, a OTAN é uma construção meramente teórica, e os europeus terão de recuperar a velha ideia — derrotada em 1954 no parlamento francês — de construir a sua própria Comunidade Europeia de Defesa. É bom que o façam rápido, porque a contagem decrescente para a próxima guerra na Europa começa no dia em que Putin não estiver atolado na Ucrânia.
👉 Lê na Folha de São Paulo.
A voz do futuro: de Dune a Ibn Khaldun
Segundo episódio de Tempo ao Tempo
Sob a narrativa do filme Dune, vamos refletir sobre o ciclo da história das civilizações. Também vamos conhecer a vida de Ibn Khaldun que escreveu no século XIV uma obra fundadora da reflexão acerca da História. Este é o no novo episódio de Tempo ao Tempo.
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"Tempo ao Tempo" é um podcast de história da história; de passado, presente e futuro; da mudança da memória no tempo. Vamos percorrer a micro-história e história global, europeia e nacional e conhecer os dilemas de pessoas como nós — do passado, colocando-os em perspectivas com os nossos dilemas — pessoas do presente.
“Com o tempo, vão aparecer texturas e um padrão narrativo, que ajudará a fazer sentido do todo. Mas o todo será sempre multímodo, polifónico e eclético. De muitos caminhos.”.
Todas as quintas-feiras um novo episódio e às sextas, um episódio extra emitido na SIC Notícias.
Venham comigo dar “Tempo ao Tempo”!
Podem subscrever a em expresso.pt ou ouvir na sua plataforma preferida.
E para quem perdeu o primeiro episódio,“Enquanto viveres, brilha”, que vai de Pulp Fiction a Santo Agostinho, passando por um viúvo saudoso, músicas de amor e mais, é só clicar abaixo.
Ouve “Tempo ao Tempo” nas plataformas habituais.
E acompanhem também no jornal Expresso cada episódio com um pouco da história.
Objects of Political Desire IV: Democratise, Develop, Decolonise
I was two years old. The global impact of my country’s revolution eluded me, but the revolution was global in what it meant for us as kids. We grew up in a highly politicised country, where people would spend all day arguing about parties and leaders. Our cities were full of posters and possibility, and elections were movable feasts.
When I was a kid, politics was about what good things could happen next. For a while, we lived in our small ancestral village. 25 April was the day us kids would run around the village; we would get medals. In the summer, the municipal bus would pass by and take us to the bean-shaped swimming pool of a wealthy farm villa that people said had been owned by a secret police chief before the revolution. My dad and our neighbours founded a small land-owners cooperative and shared tractors and agricultural appliances.
Later on, in the early 1980s, the mobile library visited the village, with its shelves mounted on the back of a cargo van. As Portugal entered the European Economic Community, we hopped into our own cargo van and crossed Europe to attend my brother’s wedding on the other side of the Iron Curtain (a good story, but for another day).
The material revolution in 1974 had been built upon ideas sowed one year before in 1973, in the Congress of Democratic Opposition in the lovely city of Aveiro, situated by a lagoon and traversed by canals where gondola-like boats float. Before the police could repress the opposition and disband the peaceful debates they were engaged in, the ideas that became the basis for the revolution had crystallised around a very simple slogan. We call it the “three Ds”: democratizar, desenvolver, descolonizar – democratise, develop and decolonise.
The three Ds never meant the same thing to everybody. The Communists and the Christian Democrats, the centre-left and the centre-right had different versions of what they could stand for, but they all subscribed to the three Ds. What a simple idea capable of being shared by a whole people and unfolded differently by each and every individual can mean for a country is quite simply transformational.
All Portuguese persons of a certain age are products of that idea. For me and my siblings, the “three Ds” meant, most of all, education. Our parents had studied for three or four years in their childhood. We all got university degrees, with scholarships and virtually free tuition. From primary school to my PhD in Paris I never had to pay. I was always paid to study.
👉 Lê o artigo completo no Green European Journal
Europa: O jogo de mudar
Alianças unilaterais é coisa que não existe — logo, os EUA de Trump não são, hoje, aliados da Europa. É preciso tirar as consequências. Vê o excerto do comentário na SIC Noticias.
Há 100 anos
Cem anos passam hoje sobre o nascimento de Carlos Paredes, um mestre de alquimias musicais, onde cabia a nostalgia, os afetos, o desejo e as sombras. Com as mãos e a guitarra portuguesa, convenceu-nos do impossível, que uma tradição pode ser revolucionária e a resistência um “movimento perpétuo”.
Primária dos LIVRE
As primárias do LIVRE para as eleições autárquicas 2025 começaram! Estamos em fase de validações das candidaturas e em breve conhecerão as candidatas e candidatos do LIVRE.
Leituras da semana
The End of the Postwar World — Anne Applebaum
Inside Elon Musk’s War on Washington — By Simon Shuster and Brian Bennett
Emma Goldman: A Nearly Complete Collection of Emma Goldman’s Works — Internet Archive (Public Domain)
Telegram
É por aqui o meu canal no Telegram: https://t.me/ruitavarespt . Vemo-nos por lá!
Fala-me, ó musa, de um homem problemático
Sobre Emily Wilson, a mulher que se aventurou a ser a primeira a traduzir a Odisseia para inglês e o tipo de homens que se escandalizam com isso.
Mas vamos lá: chamar “complicado” a Ulisses é ou não ofensivo? E se fosse? É que a pergunta deve ir um pouco mais atrás: quem diz que é apenas suposto elogiar Ulisses na primeira linha da “Odisseia”?
Vamos à palavra tal como Homero, ou talvez “Homero”, a talvez disse primeiro e ele ou outro a escreveu depois, há cerca de entre 3000 e 2600 anos. A palavra — o primeiro adjetivo usado para descrever Ulisses na Odisseia é πολύτροπον, que se pode transcrever como “polítropon”, um acusativo de “πολύτροπος” (polítropos), para modificar o substantivo ἄνδρα, homem. Polítropon não é complicado de explicar: “poli-” quer dizer “muitos” e “tropos” que dizer “caminhos”, pelo que “polítropon” se poderia traduzir literalmente como “de muitos caminhos”. “Do homem conta-me, ó Musa, de muito caminhos” seria a tradução literal das primeiras palavras da “Odisseia”.
Leia o resto no Expresso.