O salário no centro do debate — πολύτροπον - "de muitos caminhos"
Carta semanal de Rui Tavares | 5 de dezemb de 2023
Olá amigas e amigos,
Bem-vindas e bem-vindos a πολύτροπον (diz-se polítropon) - a minha carta semanal "de muitos caminhos". Esta semana enviarei-vos duas cartas. Nesta primeira carta semanal, caminhamos ao lado dos direitos humanos e do aumento do salário mínimo nacional, pela mobilidade na Europa e continuamos com as primárias abertas do LIVRE.
— E, no final da carta, partilho excertos de um ensaio publicado na Revista do Expresso que explica o nome desta carta (o primeiro adjetivo que Homero usa para descrever Ulisses na Odisseia).
Lembro que πολύτροπον (diz-se polítropon) - "de muitos caminhos" é inteiramente gratuita.
(Quem não quiser receber este email, é só clicar em "unsubcribe" abaixo, ou enviar mensagem solicitando a retirada da minha lista de contactos.)
Um abraço,
Rui
O salário no centro do debate
Agora vem a parte mais difícil: como fazer para que os salários possam subir? Se este for o principal tema da próxima campanha eleitoral, vai haver dois tipos de resposta: uma rápida e fácil e falsa; a outra mais demorada e trabalhosa, mas mais verdadeira. A direita já optou pela primeira, mas não é certo que a esquerda tenha optado pela segunda.
Um salário é sempre parte do valor que se produz; uma parte dessa parte é, em geral, tributada. O que acaba no bolso do trabalhador é portanto, menos do que o valor produzido, subtraído de impostos e contribuições. A resposta fácil e rápida da direita tem sido sobre esta última parcela: cortem-se os impostos e acaba mais dinheiro no bolso do assalariado. Não se trata, portanto, de uma resposta exatamente sobre como subir os salários. Por outro lado, não é acompanhada de uma proposta sobre a reposição dos impostos e contribuições perdidos (a direita não diz “alivie-se a tributação sobre o trabalho e vá buscar-se esse dinheiro a impostos sobre transações financeiras”, por exemplo). A ideia, em suma, é dar o efeito imediato do aumento do rendimento disponível; mas o resultado quase garantido será o corte em serviços públicos de que precisam em particular as pessoas que têm baixos salários.
A resposta que a direita não dá, deveria ser a esquerda a trazer ao debate: como é que se aumenta o valor do que se produz? É que se a fiscalidade sobre o trabalho é mais ou menos equivalente às de outros países congéneres (como alguma direita intelectualmente honesta lá vai admitindo), é na produtividade que a diferença entre Portugal e os seus parceiros mais ricos na Europa é brutal. Pior: ao prescindir dos recursos de que precisamos para o investimento público estratégico, a resposta de curto-prazo centrada na descida dos impostos vai ser prejudicial a uma subida na escala de valor imprescindível para tornar sustentável um verdadeiro aumento nos salários.
A boa notícia é que a história de outros países europeus nos ensina como é possível fazer isto: uma mistura de prioridade à negociação coletiva, trabalhadores nos conselhos de administração das empresas, estratégias de alocação de investimentos públicas e coordenação de objetivos económicos comuns. A má notícia é que precisamos que essas respostas apareçam claras e credíveis para que não se troque a sustentabilidade no longo prazo pela ilusão de uma satisfação no curto prazo.
Excerto da minha crónica no Expresso (cliquem no link para o texto completo para assinantes).
Eleger um grupo parlamentar do LIVRE, ajudar a esquerda a ganhar, afastar extremistas do poder
(Primárias do LIVRE)
Foram dois anos muito cheios estes durante os quais tive a responsabilidade, e o gosto, de vos representar e de representar o LIVRE na Assembleia da República (AR). Cabia-nos a todos voltar a eleger e credibilizar o partido, num contexto político muito exigente. A vossa participação e apoio tornaram tudo mais fácil e hoje sabemos que há mudanças concretas para melhor na vida dos nossos concidadãos — do Passe Ferroviário Nacional à Semana de 4 Dias e ao alargamento do Subsídio de Desemprego para as vítimas de violência doméstica, e muitas outras — graças ao trabalho conjunto que neste partido fizemos.
Tenho um dever de gratidão especial para com quem todos os dias trabalhou intensamente para conseguirmos fazer este caminho. Não posso deixar de mencionar a Isabel Mendes Lopes, que conhece o nosso programa como ninguém e que fez um trabalho extraordinário de conteúdos políticos e legislativos — além de nos ter representado na Assembleia Municipal de Lisboa (AML). Da mesma forma, devemos à Patrícia Gonçalves e ao Carlos Teixeira um grande trabalho de representação na Câmara Municipal de Lisboa (CML) como vereadores em substituição, apresentando e debatendo em nome do LIVRE muitas propostas todas as semanas. É difícil ter palavras para agradecer aos chefes de gabinetes do LIVRE, tanto na AR como na CML, Tomás Cardoso Pereira e Paulo Muacho; simplesmente não sei onde foram buscar tanta paciência para me aturar, e tantas horas do dia para fazer mais coisas e concretizar mais ideias novas, e tanta disponibilidade permanente para o LIVRE — e o mesmo vale para o Pedro Mendonça, que além de tudo isto nos assessorou primorosamente nas relações com a imprensa na AR. A Geiziely Fernandes, a Joana Filipe e a Safaa Dib, também da equipa da CML, que levaram por diante propostas e eventos, em particular na área dos direitos humanos, da cultura e da acessibilidade, bem como apoiaram na coordenação das atividades da equipa, nas pesquisas para as propostas e muito mais; e também o Vítor Andrade André, Henrique Castro e Rui Simões, que têm assessorado no apoio jurídico e político as nossas equipas na CML e na AML, e que são também candidatos nestas primárias. A todos agradeço e desejo boa sorte, como a todos e todas que nestas primárias se decidiram candidatar e dos quais me permito destacar três — a Ofélia Janeiro, a Diana Barbosa e o Jorge Pinto — que comigo fizeram parte do primeiro Grupo de Contacto do LIVRE e que é um gosto continuar a ver empenhados no presente e no futuro do nosso partido.
A nossa missão para estas próximas eleições e o mandato que se lhe seguirá é igualmente exigente, e também a abraçaremos com o mesmo brio e alegria. Queremos eleger um grupo parlamentar, ajudar as forças da ecologia e do progressismo a vencer e afastar extremistas autoritários e privatistas do poder. Sabemos que não são objetivos fáceis, mas sabemos também que baixar os braços só os tornará inatingíveis. E sabemos, acima de tudo, que no que depender do empenho, do otimismo, da capacidade de união e da visão de futuro do LIVRE, nada ficará por fazer na campanha que se avizinha. Antes e depois das eleições, o respeito pela inteligência das pessoas, sentido da responsabilidade e capacidade de renovação política continuarão a ser algumas das características principais por que a ação do LIVRE será reconhecida pelos nossos concidadãos. Se essa for a vontade, como é a minha, é por estas razões que mantenho a minha disponibilidade para prosseguir com o trabalho feito e ficarei honrado se voltarem a dar-me o vosso voto de confiança.
Direitos Humanos
Nos 75 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, estive no Centro Cultural de Belém, na passada segunda-feira, para contar a história de homens e mulheres que tornaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos uma realidade e como essa história se liga com Lisboa. Recebemos, no Pequeno Auditório do CCB, alunos de algumas escolas públicas. Todos com uma participação muito ativa durante o momento das perguntas. Foi revigorante ver o interesse dos jovens por este tema crucial para a humanidade inteira.
O momento cosmopolita
E como no dia 10 de dezembro comemora-se o Dia Mundial dos Direitos Humanos, data em que foi adotada, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, deixo convosco um episódio do Agora, Agora e Mais Agora, um podcast de mil anos de história que fiz em parceria com o jornal Público e que conta a história multicultural da Declaração. Podem ouvir aqui.
Atlas Europeu da Mobilidade
Um instrumento essencial para conhecer a realidade e as oportunidades da mobilidade na Europa, pela fundação verde alemã Heinrich-Böll-Stiftung, traduzida para português e apresentada há poucos dias nos Açores em cooperação com o novo Instituto José Tengarrinha, em criação pelo LIVRE.
Aqui podem ler aqui o Atlas Europeu da Mobilidade
Alargamento do Passe Ferroviário Nacional
Mais uma conquista para do LIVRE no âmbito dos transportes públicos — O alargamento do Passe Ferroviário Nacional a partir de 2024, por 49€, irá proporcionar a circulação em comboios regionais, inter-regionais e em várias linhas urbanas e inter-cidades. Uma iniciativa que incentiva a troca do carro pelo comboio e beneficia milhares de famílias.
Por um cessar-fogo imediato em Gaza
No Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestiniano, no passado dia 29 de novembro, Isabel Mendes Lopes apelou, na Assembleia Municipal de Lisboa, por um cessar-gogo definitivo e ajuda humanitária em massa, pelo fim da opressão na Cisjordânia e para que se avance com o reconhecimento da Palestina.
Podem ver a sua intervenção no vídeo abaixo.
Primárias do LIVRE
A primeira volta das primárias do LIVRE termina em breve. Podem ver no canal de Youtube do LIVRE os debates de todos os candidatos e candidatas que apresentaram as suas candidaturas por círculo eleitoral.
Leituras da semana
E como a carta vai longa, deixo duas sugestões de leituras para esta semana.
Varian Fry: An American’s Mission to Safeguard European Culture — Roland Flamini
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Fala-me, ó musa, de um homem problemático
Sobre Emily Wilson, a mulher que se aventurou a ser a primeira a traduzir a Odisseia para inglês e o tipo de homens que se escandalizam com isso.
Mas vamos lá: chamar “complicado” a Ulisses é ou não ofensivo? E se fosse? É que a pergunta deve ir um pouco mais atrás: quem diz que é apenas suposto elogiar Ulisses na primeira linha da “Odisseia”?
Vamos à palavra tal como Homero, ou talvez “Homero”, a talvez disse primeiro e ele ou outro a escreveu depois, há cerca de entre 3000 e 2600 anos. A palavra — o primeiro adjetivo usado para descrever Ulisses na Odisseia é πολύτροπον, que se pode transcrever como “polítropon”, um acusativo de “πολύτροπος” (polítropos), para modificar o substantivo ἄνδρα, homem. Polítropon não é complicado de explicar: “poli-” quer dizer “muitos” e “tropos” que dizer “caminhos”, pelo que “polítropon” se poderia traduzir literalmente como “de muitos caminhos”. “Do homem conta-me, ó Musa, de muito caminhos” seria a tradução literal das primeiras palavras da “Odisseia”.
Leia o resto no Expresso para assinantes.