Olá amigas e amigos,
Bem-vindas e bem-vindos a πολύτροπον (diz-se polítropon) - a minha carta semanal "de muitos caminhos".
Hoje falaremos de um Trump no campo do absurdo do direito internacional, por completa oposição, a Fernão Botto Machado, um político à frente do seu tempo. Lembraremos também Émile Zola e a sua coragem no Caso Dreyfus. Também veremos que o desejo é mais forte do que o medo e é esse desejo que, quiçá, nos salvará dos predadores atuais, que nos querem a recuar a tempos sombrios.
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Recordo que πολύτροπον (diz-se polítropon) - "de muitos caminhos" é inteiramente gratuita. — Se quiserem saber mais sobre o nome desta carta, vejam aqui.
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Rui
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Os EUA de Trump não são nossos aliados
Trump não vê a União Europeia como sua aliada. E na política, como na vida, não há aliados unilaterais. “Eu sou aliado dele mas ele é meu adversário e quer punir-me e roubar-me” é antes a descrição de uma relação predatória. E Trump é um predador.
Claramente, Trump não vê a União Europeia como sua aliada. E na política, como na vida, não há aliados unilaterais. “Eu sou aliado dele mas não ele não é aliado meu” é a descrição de uma relação clientelar. “Eu sou aliado dele mas ele é meu adversário e quer punir-me e roubar-me” é antes a descrição de uma relação predatória. E Trump é — talvez sempre tenha sido, e não só na política — um predador.
A razão por que é importante dizê-lo agora é que anda demasiada gente a fingir que não o vê. É talvez natural que os líderes europeus não queiram já entrar em pânico e alarmar os seus concidadãos — mas uma vez que toda a gente vê o que se está a passar, o risco é antes o de aparecerem ingénuos e cobardes, o que não deixa ninguém descansado.
É preciso cair na realidade. Quanto mais cedo, melhor.
👉 No Expresso desta semana podem ler a crónica completa
O valentão do recreio não está mais interessado em fingir
O valentão do recreio não está mais interessado em fingir; ele vai tomar o q quiser, quando quiser — porque pode. Os únicos limites da ação predadora de Trump não são as regras do sistema internacional, mas o poder material dos seus concorrentes.
A partir de agora, os únicos limites da ação predadora de Trump são, não as regras do sistema internacional, mas o poder material dos seus concorrentes como Xi Jinping e Vladimir Putin. Se essas potências chegarem a um acordo sobre as suas esferas de influência (eu quero a Gronelândia, tu queres a Crimeia e ele quer Taiwan), tudo bem.
Acontece que os restantes países do mundo — incluindo os da Europa e da América Latina — ainda precisam de uma ordem internacional assente em regras, desde que regras melhores, mais consistentes e menos hipócritas do que as que tivemos até agora. O que faz sentido para nós não é aceitar viver sob uma área de influência à escolha, mas recriar o melhor do sistema internacional, sem potência hegemónica.
👉 Lê na Folha de São Paulo
Há mais de 100 anos, um deputado português defendeu as mulheres e o fim das touradas: história de um homem antes do seu tempo
Morreu há cem anos Fernão Botto Machado, o deputado republicano e socialista libertário. Poucos o conhecem, mas as suas causas são mais atuais do que nunca. Vindo do povo, tinha um sentido prático de como ajudar as pessoas.
Quando vemos que o homem mais poderoso do mundo nomeou o homem mais rico do mundo para cortar os gastos do Estado americano, ou seja, cortar os gastos dos mais pobres, percebemos que estamos numa luta entre a democracia e a oligarquia, entre a multidão dos mais fracos e o poder dos mais fortes. Quando sabemos que esse homem mais rico do mundo meteu €130 milhões na campanha do homem mais poderoso do mundo. Esse valor, e dei-me ao trabalho de fazer as contas, para a fortuna que ele tem, é o equivalente a 55 cêntimos, menos do que um café seria, para alguém que ganhasse mil euros. Ou seja, Musk investiu um café na campanha do Trump e ganhou €28 mil milhões, que é 10% da sua fortuna, nos primeiros dias após Trump ter sido eleito. Isto é que são conflitos de interesses a sério. E os oligarcas estão aí pelo mundo e querem, e conseguem, pagar menos impostos do que qualquer pessoa.
Nesta luta entre oligarquia e democracia, sei bem onde estaria hoje Fernão Botto Machado se fosse vivo. Por isso digo que ele nos pode servir de inspiração, Fernão Botto Machado, mais futuro do que passado.
Lê o artigo completo no Expresso.
Objects of Political Desire II: What’s Stronger Than Fear?
Progressivism depends on optimism – the desire for a better future. Luckily, desire is stronger than fear.
Progressives, and the Greens in particular, also have their brand of fear. The fear of not having a liveable planet in the future, the fear of the consequences of inequalities, and so on. But even here, reactionaries are able to mobilise more immediate fears. Fear is not only monopolistic in regards to other emotions but also among several distinct fears. We only worry about the next fear when we have dealt with the most immediate one. Hence, most people find it difficult to worry about the end of the world when their main worry is the end of the month.
Our use of fear brings diminishing returns for mobilising people for progressive politics – in contrast to what happens in the framework of reactionary politics. In progressive politics, if you go around telling everybody that there won’t be a planet for the next generation, that there’s not enough resources for everybody to enjoy a decent life, that, in sum, there’s not enough of the world for everybody — don’t be surprised if people drop their arms, go back home, and curl up in bed. What point is there in going out on the streets, attending long meetings or organising your workplace if everything will turn for the worse regardless?
👉 Lê o artigo completo no Green European Journal
Há 127 anos
Émile Zola é julgado por difamação após publicar "J'accuse", no jornal L'Aurore, sobre o Caso Dreyfus, acontecimento que abalou a França do final do século XIX e início do século XX ao revelar antissemitismo na Terceira República Francesa.
Zola, no seu artigo, acusou generais e oficiais responsáveis pelo erro judicial que levou à condenação injusta de Alfred Dreyfus, proclamou a sua inocência e criticou duramente o exército e os Conselhos de Guerra por suas ações. Zola foi processado por difamação e julgado diversas vezes, sendo condenado. Para evitar a prisão, Zola exilou-se na Inglaterra por onze meses. O artigo de Zola, e o seu subsequente julgamento, tiveram um impacto significativo na opinião pública, mobilizando intelectuais e cidadãos em favor da revisão do processo Dreyfus.
O ato de coragem de Émile Zola contribuiu para libertação de Alfred Dreyfus em 1906. Este episódio destaca o poder da imprensa na luta contra a injustiça.
Leituras da semana
Elon Musk’s Demolition Crew — Avi Asher-Schapiro, Christopher Bing, Annie Waldman, Brett Murphy, Andy Kroll, Justin Elliott, Kirsten Berg, Sebastian Rotella, Alex Mierjeski, Pratheek Rebala and Al Shaw
CDC Data Are Disappearing — Katherine J. Wu
Telegram
É por aqui o meu canal no Telegram: https://t.me/ruitavarespt . Vemo-nos por lá!
Fala-me, ó musa, de um homem problemático
Sobre Emily Wilson, a mulher que se aventurou a ser a primeira a traduzir a Odisseia para inglês e o tipo de homens que se escandalizam com isso.
Mas vamos lá: chamar “complicado” a Ulisses é ou não ofensivo? E se fosse? É que a pergunta deve ir um pouco mais atrás: quem diz que é apenas suposto elogiar Ulisses na primeira linha da “Odisseia”?
Vamos à palavra tal como Homero, ou talvez “Homero”, a talvez disse primeiro e ele ou outro a escreveu depois, há cerca de entre 3000 e 2600 anos. A palavra — o primeiro adjetivo usado para descrever Ulisses na Odisseia é πολύτροπον, que se pode transcrever como “polítropon”, um acusativo de “πολύτροπος” (polítropos), para modificar o substantivo ἄνδρα, homem. Polítropon não é complicado de explicar: “poli-” quer dizer “muitos” e “tropos” que dizer “caminhos”, pelo que “polítropon” se poderia traduzir literalmente como “de muitos caminhos”. “Do homem conta-me, ó Musa, de muito caminhos” seria a tradução literal das primeiras palavras da “Odisseia”.
Leia o resto no Expresso.