Olá amigas e amigos,
Bem-vindas e bem-vindos à πολύτροπον (diz-se polítropon) - a minha carta semanal "de muitos caminhos".
Por cá, há artistas, escritores e jornalistas que deveriam poder trabalhar sem risco de intimidação e ameaças, mas o que tem sido feito para os proteger do assédio movido nos últimos tempos por grupos organizados? Nada.
Também há países onde largar o poder não é uma opção. Para os autoritários “não há esquerda nem direita, certo nem errado, só há acima e abaixo: eles em cima, todos os outros em baixo.”
“Uma regra simples para navegar o mundo de hoje” é: não segure a máscara dos ditadores. E olhando para o passado, podemos aprender com quem viveu antes de nós e evitar o mesmo destino — afinal, a história somente se repete se estivermos distraídos. Para isso recuaremos até à Itália da primeira metade do século XX.
Para a nossa viagem, reservei três sugestões de leituras. Venham comigo.
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Recordo que πολύτροπον (diz-se polítropon) - "de muitos caminhos" é inteiramente gratuita. — Se quiserem saber mais sobre o nome desta carta, vejam aqui.
(Quem não quiser receber este email, é só clicar em "unsubcribe" abaixo, ou enviar mensagem a solicitar a retirada da minha lista de contactos.)
Rui
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Os liberautoritários
Imagine um país no qual autores, escritores e ilustradores são assediados por bandos organizados que os ameaçam nas redes e intimidam verbal e fisicamente de cada vez que estes apresentam os seus livros. Não precisa de imaginar muito longe: esse país é Portugal. Agora imagine o que acontece a seguir: nada. (…)a proporção que a sua estratégia intimidatória está a tomar já atingiu uma dimensão tal que está a fazer de todos nós menos livres.
Chegou a altura em que o silêncio faz mais mal do que bem. Vale a pena, isso sim, notar que há uma estratégia comum a estas ações, seja em Portugal ou lá fora. Em primeiro lugar, a justificação para o seu autoritarismo é, supostamente, a liberdade. Trata-se, por exemplo, de grupos e indivíduos que apareceram ostensivamente preocupados com o papel do estado e das autoridades médicas nacionais e internacionais durante a pandemia, mas que definem a liberdade em termos enviesados e sempre vantajosos para si mesmos: liberdade para eles significou poderem colocar a vida dos outros em risco, e significa hoje interromper ou limitar a expressão dos outros (…)
Uma regra simples para navegar o mundo de hoje
(…) Os Maduros e Orbáns e Netanyahus desta vida têm de manter um vestígio de aceitação no clube das democracias. Eles fingem que ainda fazem parte, e há uns tantos que fingem que ainda acreditam neles. Mas não passa disso. Quando a coisa é a doer para eles ou para as suas bases de apoio, não há comissões eleitorais ou tribunais ou sistemas judiciais que aguentem. Aquilo que vimos esta semana na Venezuela, com resultados eleitorais oficiais ostensivamente martelados, ou em Israel, com uma turbamulta tacitamente apoiada pelo governo invadindo uma base militar para soltar soldados que o sistema judicial acusava de violação, são o sinal claro de que o estado de direito para eles é uma ficção ou, na melhor das hipóteses, um empecilho — mas não é uma coisa em que acreditem.
(…) Esqueçam a coerência: para estes homens, as etiquetas ideológicas são iscos lançados às massas para as discussões nas redes sociais. Eles sabem que acumularam demasiado poder e reprimiram demasiada gente e cometeram demasiados crimes para poderem um dia viver descansados quando saírem do lugar. Para eles não há esquerda nem direita, certo nem errado, só há acima e abaixo: eles em cima, todos os outros em baixo.
Que fazer então perante esta confusão? É mais simples do que parece. Fora do jugo deles, ninguém é obrigado a acreditar neles, nem a defendê-los, nem a tomar a sua parte nas polémicas das redes. Não o façam. Não lhes segurem a máscara. Não propaguem as suas justificações. Não façam de conta que são políticos como os outros.
No Expresso desta semana podem ler a crónica completa
Coleção Fascistas #01
"Salvar a Itália semeando as finanças e reduzindo a burocracia”, foi a promessa de Benito Mussolini, eleito primeiro-ministro, a 31 de outubro de 1922, pelo Partito Nazionale Fascista. Foi aclamado pela população de Roma e a história que se segue todos nós conhecemos.
Nesta imagem, lembramos o passado, o caminho que já percorremos e o impacto das nossas escolhas na vida de todos nós.
Leituras da semana
Qué es la «Operación Tun Tun» con la que los cuerpos de seguridad de Venezuela arrestan masivamente a manifestantes y opositores — ONG Foro Penal
“Es una operación no formal que supone una escalada represiva en Venezuela”, la define en diálogo con BBC Mundo, Gonzalo Himiob, de la ONG Foro Penal, que defiende los derechos de personas detenidas arbitrariamente.”
Kant contra Herder. Breve análise de um diferendo estético em torno de Shakespeare — Sílvia Bento
O artigo aborda a ausência de Shakespeare na "Crítica da Faculdade do Juízo" de Kant, contrastando com as análises de Cutrofello (2007) e Zammito (1992), que veem isso como uma rejeição da filosofia de Herder e das estéticas do Sturm und Drang.
Peasants, Power, and the Art of Resistance — James Scott
James Scott, contribuiu significativamente para o estudo sobre a resistência, especialmente em grupos de camponeses. Faleceu no dia 19 de julho de 2024.
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Fala-me, ó musa, de um homem problemático
Sobre Emily Wilson, a mulher que se aventurou a ser a primeira a traduzir a Odisseia para inglês e o tipo de homens que se escandalizam com isso.
Mas vamos lá: chamar “complicado” a Ulisses é ou não ofensivo? E se fosse? É que a pergunta deve ir um pouco mais atrás: quem diz que é apenas suposto elogiar Ulisses na primeira linha da “Odisseia”?
Vamos à palavra tal como Homero, ou talvez “Homero”, a talvez disse primeiro e ele ou outro a escreveu depois, há cerca de entre 3000 e 2600 anos. A palavra — o primeiro adjetivo usado para descrever Ulisses na Odisseia é πολύτροπον, que se pode transcrever como “polítropon”, um acusativo de “πολύτροπος” (polítropos), para modificar o substantivo ἄνδρα, homem. Polítropon não é complicado de explicar: “poli-” quer dizer “muitos” e “tropos” que dizer “caminhos”, pelo que “polítropon” se poderia traduzir literalmente como “de muitos caminhos”. “Do homem conta-me, ó Musa, de muito caminhos” seria a tradução literal das primeiras palavras da “Odisseia”.
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