Bonzos contra canhotos, um conto do Natal passado — πολύτροπον - "de muitos caminhos"
Carta semanal de Rui Tavares | 22 de dezembro de 2023
Olá amigas e amigos,
Bem-vindas e bem-vindos a πολύτροπον (diz-se polítropon) - a minha carta semanal "de muitos caminhos". Nesta carta o caminho leva-nos à oposição entre “bonzos” e “canhotos” na Iª República, a uma encruzilhada entre ganhar coragem ou continuar a pagar para ser chantageado, a reconhecimento ao invés de ressentimento para combater a extrema-direita, o resultado das primárias abertas do LIVRE e o apoio de que precisamos para eleger um grupo parlamentar. Caminhamos também pelos palácios de Lisboa dos séculos XVI a XX e, por fim, as resoluções do LIVRE por um cessar-fogo imediato em Gaza e avançar para o reconhecimento da Palestina aprovadas no parlamento!
… E mais!
— No final da carta, partilho excertos de um ensaio publicado na Revista do Expresso que explica o nome desta carta (o primeiro adjetivo que Homero usa para descrever Ulisses na Odisseia).
Lembro que πολύτροπον (diz-se polítropon) - "de muitos caminhos" é inteiramente gratuita.
(Quem não quiser receber este email, é só clicar em "unsubcribe" abaixo, ou enviar mensagem solicitando a retirada da minha lista de contactos.)
Um abraço e um bom natal!
Rui
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Bonzos contra canhotos, um conto do Natal passado
Deixo convosco um excerto da minha crónica desta semana no Expresso, sobre como se perder uma república enquanto andamos distraídos.
Da Iª República, as pessoas lembram-se de alguns nomes óbvios ligados à sua fundação e à sua primeira década: dos presidentes Bernardino Machado, Teófilo Braga e Manuel de Arriaga aos evidentes Afonso Costa e António José de Almeida, passando pelo interregno de Sidónio Pais. Do fim da Iª República, duas das suas figuras dominantes mal são lembradas e poucas ruas têm os seus nomes. Mas são eles e o ambiente à sua volta que deveríamos conhecer melhor, se queremos saber como diabo perdemos uma república e tivemos a ditadura mais longa da Europa ocidental, um longo ocaso de 48 anos que é a grande razão para esse apagão da nossa memória coletiva. Os últimos anos da Iª República foram conhecidos dos seus contemporâneos pela oposição entre “bonzos” e “canhotos”, as duas alas do dominante Partido Democrático onde antes preponderava o agora mais afastado Afonso Costa. Depois de Costa (Afonso) emergiu uma nova geração de políticos, entre os quais pontificava José Domingues dos Santos, líder dos “canhotos”, que foi presidente do governo apenas aos 37 anos, e António Maria da Silva, líder dos “bonzos”, que apesar de ter tido participação na implantação da República em 1910 só gradualmente emergira como um dos políticos cimeiros da Iª República. O “governo canhoto” foi a geringonça da Iª República, mas durou apenas três meses, entre novembro de 1924 e fevereiro de 1925.
A crónica completa está no Expresso (cliquem no link para o texto completo para assinantes).
E… podem encontrar neste artigo do jornal “A Capital: diário republicano da noite”, o significado do termo “bonzos” e também um pouco do ambiente político da época.
Pagar ao chantagista para continuar a chantagear-nos
Deixo convosco um excerto da minha crónica desta semana no Expresso.
No Parlamento Europeu propusemos — com o meu relatório, que fez este ano dez anos — usar o mecanismo que os tratados preveem precisamente para casos como este, em que um Governo mina deliberadamente os princípios do artigo 2º do Tratado da União Europeia sobre o estado de direito. Responde-se com o artigo 7º do mesmo tratado, cujas consequências podem ir até à retirada do direito de voto do governo em causa. Significa isso ter a coragem de confrontar o chantagista e retirar-lhe a arma da sua chantagem.
Passado muitos anos, a Comissão Europeia apareceu com outra ideia: cortar a mesada ao chantagista, ou seja, suspender fundos a Orbán. Funcionaria talvez, se houvesse constância. Mas eis que chegou um momento em que, como seria inevitável, o voto de Orbán é necessário para manter a unanimidade imprescindível para a abertura de negociações de adesão com a Ucrânia.
O resultado viu-se esta semana, em dois atos, na quarta e na quinta-feira. Na quarta, a Comissão cedeu, desembolsando mais €10 mil milhões para Orbán enriquecer os seus. Na quinta, Orbán fez declarações à porta do Conselho Europeu anunciando que não tinha mudado de ideia sobre a abertura de negociações com a Ucrânia. Dez mil milhões foi pouco.
Leia a crónica completa no Expresso (cliquem no link para o texto completo para assinantes).
Objects of Political Desire X: Recognition over Resentment
Saiu mais um artigo meu no Green European Journal sobre os recentes resultados eleitorais na Holanda e na Argentina, onde destaco no debate internacional a capacidade da esquerda e dos progressistas em mobilizar eleitores em comparação com a extrema-direita que é mais eficaz em canalizar o ressentimento e o medo. Proponho que em vez de usar o ressentimento, usemos antes o"reconhecimento": reconhecer as injustiças e buscar uma resposta progressista baseada na luta por reconhecimento. Abaixo, um excerto.
Resentment is powerful stuff. Indeed, if fear is the fuel of reactionary discourse, resentment is its engine. Fear paralyses; unless it is expressed through resentment, it does not mobilise. Already in classical antiquity, Plutarch identified this two-step mechanism: “Shunt off the mind, and then do dreadful deeds”. More intriguingly, Spinoza linked resentment to fear and hope, which are connected to expectations of future events that may or may not materialise. Resentment is both the result of unfulfilled or betrayed hopes and the fear of new hopes that may be dashed in the future.
Resentment has an obvious social context, linked to the denial of acceptance and the memory of humiliation past and future. To avoid it, people are told to act quickly and, if possible, first: choose a champion who will avenge you, and humiliate others before they humiliate you. This psychological mechanism makes political phenomena such as the shift from Obama voters to Trump easier to understand: to avoid the feeling of unfulfilled hopes again, you have to “own the libs” beforehand.
Resentment provides instant gratification and can be endlessly renewed. To resent is to repeat the memory of a bad emotion; you can always go back for more and find in yourself the strength to inflict on others the pain you’re both feeling and trying to avoid. If you vote for someone who gives you hope, you’ll have to wait years before your hopes are fulfilled, provided they are not betrayed in the meantime. If you vote for someone who promises revenge, all the people who had offered you hope without fulfilling their promises will immediately be crushed and feel what you feel now.
Since resentment is such an addictive and easily available drug, should we use it? The short answer is no. Resentment will make you feel bad, it will have diminishing returns, and soon you will need so much of it that you won’t be able to move on or think of anything else.
There is no doubt that there is a lot to be outraged about. A lot of the things that are wrong in the world are not corrected because there are vested interests in not correcting them. Simply hoping that these injustices will melt away leads to disillusionment. Experiencing their effects leads to despair. But the proper progressive response to this state of affairs is not resentment but recognition.
Podem ler o artigo completo aqui.
As próximas caras do LIVRE - A resposta das primárias
Perguntam muito quem serão as próximas caras do LIVRE no Parlamento. As primárias abertas deram uma belíssima resposta. Muito feliz por estar acompanhado da Isabel Mendes Lopes em Lisboa, do Jorge Pinto e Filipa Pinto no Porto, Paulo Muacho e Geizy Fernandes em Setúbal, Teresa Mota e Luís Lisboa em Braga, Joana Filipe e Filipe Honório em Aveiro, Inês Pires e Pedro Miguel Santos em Leiria, José Manuel Azevedo e Florbela Carmo nos Açores, o Pedro Mendonça em Santarém, a Ana Sofia pelo Algarve e mais candidatos e candidatas do LIVRE pelo país!
Leiam os resultados finais aqui.
A escolha do próximo ano é entre aqueles que querem rasgar o contrato democrático ou rescindir o contrato social que nos une desde o 25 de Abril ou quem o queira preservar e reforçar. Do lado do LIVRE é muito claro: queremos renovar este contrato para o futuro. Atualmente enfrentamos desafios múltiplos e temos uma campanha rigorosa para as eleições legislativas antecipadas de 2024. Diante da ameaça da extrema-direita, o LIVRE propõe melhorias para o país na qualidade de vida, fortalecimento da democracia, defesa dos Direitos Humanos e combate às alterações climáticas. Mas, para crescer, o partido precisa de apoio das mais variadas formas, principalmente apoio financeiro para a campanha que se avizinha. Por isso, deixo aqui um link para quem puder contribuir para impulsionar e a ajudar o LIVRE a eleger o grupo parlamentar que tratará qualidade, mudança, força para a Assembleia da República e propostas que mudarão a vida dos portugueses, portuguesas e residentes em Portugal.
Podem contribuir aqui. (Muito obrigado!)
Palácios de Lisboa dos séculos XVI a XX: um património a descobrir
Uma boa sugestão de curso no início do próximo ano para os interessados em património, história de Lisboa e arte portuguesa. Com a minha mestre Raquel Henriques da Silva, Hélder Carita, Miguel Montez Leal e Margarida Elias, entre outros. Inscrições até ao Natal!
Data: 24 Jan a 10 Fev 2024
Horário: 24, 25, 26, 31 de janeiro e 1, 2, 5, 6, 7, 8 e 9 de fevereiro das 18h00 às 20h00 | 10 de fevereiro com horário a indicar
Duração: 25h | 2 ECTS
Informações neste link.
Reconhecimento da Palestina, cessar-fogo e salvar vidas: APROVADO!
A Assembleia da República aprovou no passado dia 19, a proposta do LIVRE que recomenda que o governo avance para o reconhecimento da independência da Palestina e que defenda o cessar-fogo imediato e a libertação de reféns em Gaza.
Se estivermos à espera de concordar todos, nunca agiremos no essencial: cessar-fogo em Gaza já e reconhecer a independência da Palestina. Cada dia que passa são vidas que se perdem. O LIVRE usou o único direito de agendamento para que a Assembleia da República tomasse uma posição clara e urgente. Ao fim do dia, é o que mais importa.
Teria sido inaceitável que a Assembleia da República chegasse à dissolução sem ter debatido — e aprovado — resoluções de reconhecimento da Palestina e de defesa do cessar-fogo.
Leituras da semana
E como a carta vai longa, deixo duas sugestões de leituras:
Menos reuniões e mais rápidas, intervalos curtos e menos conversas sobre a bola: como as empresas se organizaram para a semana de 4 dias — Elisabete Miranda
The EU Betrays Ukraine and the Rule of Law – and We Will Live to Regret It — Tommaso Pavone
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Fala-me, ó musa, de um homem problemático
Sobre Emily Wilson, a mulher que se aventurou a ser a primeira a traduzir a Odisseia para inglês e o tipo de homens que se escandalizam com isso.
Mas vamos lá: chamar “complicado” a Ulisses é ou não ofensivo? E se fosse? É que a pergunta deve ir um pouco mais atrás: quem diz que é apenas suposto elogiar Ulisses na primeira linha da “Odisseia”?
Vamos à palavra tal como Homero, ou talvez “Homero”, a talvez disse primeiro e ele ou outro a escreveu depois, há cerca de entre 3000 e 2600 anos. A palavra — o primeiro adjetivo usado para descrever Ulisses na Odisseia é πολύτροπον, que se pode transcrever como “polítropon”, um acusativo de “πολύτροπος” (polítropos), para modificar o substantivo ἄνδρα, homem. Polítropon não é complicado de explicar: “poli-” quer dizer “muitos” e “tropos” que dizer “caminhos”, pelo que “polítropon” se poderia traduzir literalmente como “de muitos caminhos”. “Do homem conta-me, ó Musa, de muito caminhos” seria a tradução literal das primeiras palavras da “Odisseia”.
Leia o resto no Expresso para assinantes.