Uma liberdade zangada ou uma liberdade alegre?
Carta semanal de Rui Tavares | 23 de agosto de 2024
Olá amigas e amigos,
Bem-vindas e bem-vindos à πολύτροπον (diz-se polítropon) - a minha carta semanal "de muitos caminhos".
Cada disputa eleitoral é então uma disputa entre conceitos de liberdade. E de certa forma ganha quem conseguir tornar o seu conceito de liberdade mais consensual e urgente. É isso que está a acontecer com a eleição presidencial norte-americana.
Não deixem de ver sugestões de leituras para acompanhar essa jornada.
***
Recordo que πολύτροπον (diz-se polítropon) - "de muitos caminhos" é inteiramente gratuita. — Se quiserem saber mais sobre o nome desta carta, vejam aqui.
(Quem não quiser receber este email, é só clicar em "unsubcribe" abaixo, ou enviar mensagem a solicitar a retirada da minha lista de contactos.)
Rui
***
Uma liberdade zangada ou uma liberdade alegre?
Cada disputa eleitoral é então uma disputa entre conceitos de liberdade. E de certa forma ganha quem conseguir tornar o seu conceito de liberdade mais consensual e urgente. É isso que está a acontecer com a eleição presidencial norte-americana. O que vimos esta semana na convenção democrática foi um esforço por parte da sua ampla coligação (que vai de liberais de esquerda a progressistas e socialistas democráticos) de fazer avançar não só uma noção mais ampla da liberdade, na tradição que resumi atrás, mas sobretudo uma atitude na defesa da liberdade: mais alegre, mais descomplexada, mais tolerante.
(…) Por um lado, a atitude da direita dominante começa a aborrecer as pessoas. Ninguém gosta de ouvir sempre a mesma coisa, gritada aos nossos ouvidos com ar zangado, ainda por cima quando parece que aquilo que esta direita não suporta é que as pessoas vivam a sua vida como lhes apetecer. Daí a dúvida que desponta em muitos espíritos, mesmo independentes ou apolíticos: a direita ainda fala muito de liberdade, mas será que gosta mesmo dela?
No Expresso desta semana podem ler a crónica completa
O homem que quer intimidar as democracias
Elon Musk não é, ao contrário do que a sua vaidade e a lisonja dos seus seguidores gostaria de fazer crer aos incautos, um paladino da liberdade de expressão. As suas profecias de guerras civis futuras são reservadas para as democracias onde os seus negócios podem ser regulados ou as suas companhias têm responsabilidades legais a cumprir que não se podem resolver com um aperto de mão a um ditador. Em relação a países autoritários como a Turquia, ou ditaduras como a China, onde possui ou quer construir fábricas e vender carros, Elon Musk cumpre sem resmungar com as ordens do topo, não denuncia as perseguições a cristãos ou outras minorias étnicas, dá informações sobre as contas de dissidentes e democratas, e defende a desregulação de redes sociais chinesas suspeitas de espionagem. Também no antigo Twitter, agora X, as promessas de liberdade e escolha individual nunca foram tão vazias. Por mais que um utilizador não siga Elon Musk, é forçado a ir vendo as suas publicações com grande frequência na página de entrada da aplicação; mesmo que “eduque o algoritmo” dizendo que quer ver menos publicações do patrão, elas regressam sempre. As contas mais amplificadas são as que ele decidir e decisões apresentadas como técnicas (acabar com o programa de verificação de fontes e passar a vendê-lo a anónimos; apagar o rasto de quem aprova certas publicações) têm favorecido quem usa contas falsas para disseminar conteúdo violento e odioso.
Podem ler a crónica completa no Expresso.
As Quatro Liberdades
As "Quatro Liberdades" de Franklin D. Roosevelt, de 1941, à beira da Segunda Guerra Mundial, surgem num momento fulcral para a humanidade. Mais de oito décadas depois, voltamos a precisar reler Roosevelt e, talvez agora, entender que não há paz enquanto estas liberdades não forem universais: liberdade de expressão, liberdade religiosa e libertação da carência económica, bem como libertação do medo imposto seja por quem for.
Podem ler aqui o discurso apresentado ao Congresso Americano em 6 de janeiro de 1941.
Imagem do Dia
Uma nota sobre o primeiro discurso de Bento Mussolini na Itália de 1922.
Leituras da semana
Liberalism and Equality — Gregory Conti
O ensaio "Liberalism and Equality" discute a relação complexa entre liberalismo e igualdade.
Hungary is stretching the EU’s patience to its limit — Lukas Degutis
O artigo fala de como a Hungria de Viktor Orbán tem provocado tensões na UE.
O crescimento do extremismo no Reino Unido é impulsionado por redes sociais, como a X (antigo Twitter), que permitem a disseminação de desinformação por líderes de extrema-direita.
Telegram
É por aqui o meu canal no Telegram: https://t.me/ruitavarespt . Vemo-nos por lá!
Fala-me, ó musa, de um homem problemático
Sobre Emily Wilson, a mulher que se aventurou a ser a primeira a traduzir a Odisseia para inglês e o tipo de homens que se escandalizam com isso.
Mas vamos lá: chamar “complicado” a Ulisses é ou não ofensivo? E se fosse? É que a pergunta deve ir um pouco mais atrás: quem diz que é apenas suposto elogiar Ulisses na primeira linha da “Odisseia”?
Vamos à palavra tal como Homero, ou talvez “Homero”, a talvez disse primeiro e ele ou outro a escreveu depois, há cerca de entre 3000 e 2600 anos. A palavra — o primeiro adjetivo usado para descrever Ulisses na Odisseia é πολύτροπον, que se pode transcrever como “polítropon”, um acusativo de “πολύτροπος” (polítropos), para modificar o substantivo ἄνδρα, homem. Polítropon não é complicado de explicar: “poli-” quer dizer “muitos” e “tropos” que dizer “caminhos”, pelo que “polítropon” se poderia traduzir literalmente como “de muitos caminhos”. “Do homem conta-me, ó Musa, de muito caminhos” seria a tradução literal das primeiras palavras da “Odisseia”.
Leia o resto no Expresso para assinantes.