Uma pitada de Chega para os pobres, uma pitada de IL para os ricos
Carta semanal de Rui Tavares | 05 de abril de 2024
Olá amigas e amigos,
Bem-vindas e bem-vindos à πολύτροπον (diz-se polítropon) - a minha carta semanal "de muitos caminhos". Esta semana, caminhamos junto ao Mar Negro, com o escaravelho de Ortobalagan e o seu simbolismo. Lembramos as duas primeiras propostas de Luís Montenegro enquanto primeiro-ministro, e também alguns textos que recomendo como leitura da semana. E, claro, a nossa jornada nos leva até às primárias do LIVRE para as eleições europeias.
— E… No final da carta, partilho excertos de um ensaio publicado na Revista do Expresso que explica o nome desta carta (o primeiro adjetivo que Homero usa para descrever Ulisses na Odisseia).
Ah! Lembro que πολύτροπον (diz-se polítropon) - "de muitos caminhos" é inteiramente gratuita.
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Um abraço e um boa ano a todas e todos!
Rui
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Uma pitada de Chega para os pobres, uma pitada de IL para os ricos
"A direita tradicional, por outro lado, tem estado mais estagnada. Vimo-lo em Portugal, com uma vitória do PSD igual aos seus piores resultados. E essa direita olha para o lado, para onde têm saído muitos dos seus políticos e bastante dos seus votos, e que vê? Vê um Chega que tem muito sucesso com a agenda “identitária” e uma Iniciativa Liberal que tem um sucesso apreciável com alguns nichos da agenda “libertária” da direita. O problema é que a primeira agenda depende de uma contínua polarização da sociedade em torno de temas insuflados e para a segunda agenda as contas continuam a não bater certo. Durante a campanha eleitoral, vimos como as promessas mais ambiciosas dos partidos da direita dependeriam todas de crescimentos económicos próximos dos cinco por cento. Após a campanha vemos um esforço intenso do partido de governo para desvalorizar o excedente orçamental. Isto quer dizer que as promessas que implicam gastos são para cumprir apenas parcialmente. Não dá para aumentar tanto as pensões como prometido durante a campanha e ao mesmo tempo diminuir tanto o IRC. Como fazer então? A resposta, pelo menos por agora, foi dada pelas duas primeiras medidas que mencionei no início da crónica. Para as massas, ficam as agendas identitárias que vão ocupando a opinião pública e os comentadores: o logótipo. Para as elites económicas, fica a baixa no IRC que verdadeiramente só vai beneficiar as grandes ou enormes empresas que têm tido grandes lucros.”
A crónica completa está no Expresso (cliquem no link para o texto completo para assinantes).
Primárias abertas do LIVRE
A fase de avalização das primárias abertas do LIVRE terminou! Podem ver e conhecer aqui os nossos pré-candidatos e candidatas para as eleições europeias.
Há 10 anos…
No dia 07 de abril de 2014, escrevi acerca da descoberta da cientista portuguesa, Ana Sofia Reboleira, numa gruta de dois mil metros de profundidade situada na Abecássia, nas montanhas do Cáucaso. Ana Sofia descobriu uma nova espécie de escaravelho que não tem asas nem olhos desenvolvidos, mas tem um alargamento nas antenas. Gostaria de partilhar convosco esta crónica antiga, para que não sejamos como o escaravelho de Ortobalagan, encontrado há uma década atrás.
Na altura em que o texto foi publicado, íamos fazer 40 anos do 25 de Abril.
Nós, os portugueses, não somos e não podemos ser o escaravelho de Ortobalagan. Não podemos ter perdido a capacidade de imaginar um outro país que não no fundo da gruta. Não podemos ter perdido a vontade de ver, com olhos de ver, o mundo à nossa volta. Não podemos ser um país dividido entre os que não têm imaginação para mais do que isto, e os que se recusam a ver a realidade.
Às vezes receio, confesso, que isso tenha sucedido já. Receio que nos tenhamos tornado num país de comentadores, e comentadores de comentadores, apenas. Num país de espectadores — o escaravelho de Ortobalagan, que tem apenas sete milímetros e perdeu o pigmento por viver longe da luz do sul, apresenta contudo “um alargamento das antenas”. Ora, um país de espectadores não tarda muito a tornar-se num país de vítimas.
Deve haver um limite qualquer para a passividade. Tem de haver um momento em que o escaravelho de Ortobalagan entenda que tem agência e, em consequência, aja. Que não espere, nem desespere, mas faça ele mesmo. E se isso não acontecer ao escaravelho, ao menos que nos aconteça a nós. Mas lá está, só acontece se fizermos e não esperarmos.
Podem ler neste link a crónica que foi publicada no jornal Público em 07 de abril de 2014.
Leituras da semana
Paris, 1919: Pacheco, Almada, Homem Christo e a Chez Fast — João Macdonald
Has Capitalism Been Replaced by “Technofeudalism”? — Sheelah Kolhatkar
Las revolucionarias ideas de Bakunin (2008) — Iain Mckay
Telegram
É por aqui o meu canal no Telegram: https://t.me/ruitavarespt . Vemo-nos por lá!
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Fala-me, ó musa, de um homem problemático
Sobre Emily Wilson, a mulher que se aventurou a ser a primeira a traduzir a Odisseia para inglês e o tipo de homens que se escandalizam com isso.
Mas vamos lá: chamar “complicado” a Ulisses é ou não ofensivo? E se fosse? É que a pergunta deve ir um pouco mais atrás: quem diz que é apenas suposto elogiar Ulisses na primeira linha da “Odisseia”?
Vamos à palavra tal como Homero, ou talvez “Homero”, a talvez disse primeiro e ele ou outro a escreveu depois, há cerca de entre 3000 e 2600 anos. A palavra — o primeiro adjetivo usado para descrever Ulisses na Odisseia é πολύτροπον, que se pode transcrever como “polítropon”, um acusativo de “πολύτροπος” (polítropos), para modificar o substantivo ἄνδρα, homem. Polítropon não é complicado de explicar: “poli-” quer dizer “muitos” e “tropos” que dizer “caminhos”, pelo que “polítropon” se poderia traduzir literalmente como “de muitos caminhos”. “Do homem conta-me, ó Musa, de muito caminhos” seria a tradução literal das primeiras palavras da “Odisseia”.
Leia o resto no Expresso para assinantes.